Questionário

EDIÇÃO 231 – GABARITO

EXAMES BÁSICOS DE COAGULAÇÃO

Texto Introdutório

Os testes de coagulação mais realizados em laboratórios hospitalares são o tempo de protrombina (TP), o tempo de tromboplastina parcial ativada (TTPA), a dosagem de fibrinogênio e a dosagem de dímero D.

O sangue deve ser colhido por punção venosa com mínimo trauma de preferência em membro que não esteja recebendo nenhum tipo de infusão endovenosa. Evita-se a coleta do primeiro tubo e após tubos com anticoagulantes (EDTA, heparina, etc). Estas medidas têm como objetivo diminuir erros pré-analíticos como a ativação da coagulação e a presença de interferentes.

O sangue deve ser colhido em tubo contendo citrato de sódio na proporção ideal de 9:1 e homogeneizado por cerca de 10 inversões. O citrato remove o cálcio do plasma e impede a coagulação. A desproporção por coleta de volume inadequado, além de amostras com desproporções relativas de plasma como a anemia intensa (hematócrito diminuído) e, principalmente, a eritrocitose ou poliglobulia (hematócrito aumentado) podem modificar a quantidade ideal de cálcio plasmático removido pelo citrato.

O sangue é centrifugado em velocidade e tempo suficientes para a formação do plasma pobre em plaquetas (PPP) no sobrenadante, idealmente com menos de 10.000 plaquetas/µL. Deve se evitar grandes variações de temperatura: o resfriamento ativa o fator VII e o aquecimento inativa os fatores V e VIII. A análise do TP e, principalmente, do TTPA, de modo crítico quando este estiver medindo a ação anticoagulante da heparina, deve ser prontamente realizada evitando a liberação de fatores plaquetários.

O TP e o TTPA são tempos de recalcificação do plasma citratado. Avaliam conjuntamente vários fatores da coagulação por vias de ativação diferentes. A ativação do TP é feita pela tromboplastina (fosfolípide com ação de fator tecidual) e a ativação do TTPA é feita pela cefalina (fosfolípide com ação de plaquetas) e pelo fator de contato, que pode ser o caulim, a sílica ou o ácido elágico. O TP avalia a “via extrínseca” (VII) e o TTPA avalia a “via intrínseca” (XII, XI, IX, VIII). Tanto o TP quanto o TTPA avaliam a “via final comum” (X, V, II e I) após adição do cloreto de cálcio.
Curiosamente, o fator XIII, um fator estabilizador dos polímeros de fibrina, atua após o início da formação do coágulo e não é avaliado.

Os tempos que resultam das análises dos pacientes são comparados aos tempos normais determinados por cada laboratório, de preferência, a partir de resultados de, pelo menos, 20 indivíduos saudáveis. De modo geral, o TP normal é de 10 a 14 segundos e o TTPA normal é de 25 a 35 segundos, dependendo do método utilizado. Os resultados são também informados na forma de relações normalizadas (R = TEMPO paciente / TEMPO normal ) que, em amostras normais, se aproximam de 1,0.

No caso do TP, a relação normalizada é corrigida pelo índice de sensibilidade internacional (ISI) que padroniza a atividade das várias tromboplastinas de diferentes origens, resultando na relação normalizada internacional (RNI):

RNI = (TP paciente / TP normal) ISI

Quando há deficiências de um ou mais fatores de coagulação, menos de 40% de atividade, o tempo se prolonga e a relação aumenta. De modo geral, na deficiência de vários fatores, o TP se altera de modo mais significativo que o TTPA: diminuição da produção nas hepatopatias, deficiência de vitamina K (os fatores II, VII, IX e X são produzidos na presença da vitamina K) e aumento do consumo na coagulação intravascular disseminada (CIVD). Na deficiência isolada de um fator, apenas o tempo no qual o fator faz parte da via ativada se altera: as hemofilias A (deficiência genética do fator VIII) e B (deficiência genética do fator IX) e a doença de von Willebrand grave (tipo 3 com deficiência secundária de fator VIII) alteram apenas o TTPA.

Curiosamente, o TTPA pode estar prolongado em pacientes com trombose na presença do “anticoagulante lúpico”. Nesta trombofilia adquirida são descritos anticorpos anticardiolipina (síndrome antifosfolipídica) que interferem com a ativação pela cefalina “in vitro”.

Ocasionalmente pode-se realizar um “teste de mistura” ou “50:50” para ajudar a interpretação de tempos prolongados, principalmente no caso do TTPA. A mistura em partes iguais de um “pool” de plasma normal com o plasma teste com TTPA prolongado aumenta a concentração de todos os fatores, inclusive os deficientes, para pelo menos 50% de atividade normalizando o TTPA. Na presença dos chamados inibidores, o TTPA não normaliza ou normaliza e, após incubação por 2 horas à 37ºC, se prolonga novamente. Isto ocorre na presença de anticorpos inibidores que dependem de tempo e temperatura adequados para sua ação.

O TP e o TTPA, além de serem utilizados no diagnóstico dos sangramentos, como nos exemplos acima, são também utilizados na monitorização terapêutica dos anticoagulantes. A varfarina, um anticoagulante oral antagonista da vitamina K, prolonga o TP de modo que a RNI deva ser, de modo geral, entre 2,0 e 3,0. A heparina não fracionada (HNF), um anticoagulante parenteral potencializador da ação da antitrombina, prolonga o TTPA de modo que a R deva ser, de modo geral, entre 1,5 e 2,5. As novas heparinas de baixo peso molecular (HBPM) são controladas por testes mais específicos que avaliam a atividade do fator X.

A dosagem de fibrinogênio (fator I) é feita pela medida do tempo de coagulação do plasma após adição da trombina em altas concentrações. A trombina atua diretamente no fibrinogênio transformando-o em fibrina que se polimeriza e coagula o plasma. Uma curva de calibração correlaciona de modo inversamente proporcional o tempo de coagulação em segundos com a concentração do fibrinogênio em mg/dL, ou seja, quanto maior o tempo de coagulação, menor a concentração do fibrinogênio. Como o fibrinogênio é uma proteína de fase aguda, nos estados inflamatórios a sua concentração aumenta. A coagulação intravascular disseminada grave é uma causa da hipofibrinogenemia por consumo e sangramentos.

Os sangramentos graves devido à deficiência de vários fatores de coagulação (TP e TTPA com relação maior que 1,5) são, em geral, tratados com a reposição dos fatores pelo plasma fresco congelado, enquanto que, os sangramentos graves devido à deficiência de fibrinogênio (fibrinogênio menor que 100 mg/dL) são, em geral, tratados com reposição de fibrinogênio pelo crioprecipitado. Os sangramentos de deficiências isoladas de um fator como hemofilias e doença de von Willebrand são, em determinados casos, tratados com reposição do fator pelos concentrados específicos.

A dosagem do dímero D é feita, atualmente, por métodos imunológicos mais sensíveis e precisos que as determinações dos produtos de degradação da fibrina (PDF) utilizadas no passado. O dímero D circula em quantidades aumentadas quando há ativação da coagulação e fibrinólise, sendo um útil “indicador” de tromboembolismo (TVP – trombose venosa profunda e EP – embolia pulmonar), embora inespecífico. Sua utilidade prática em situações de urgência tem sido excluir um evento de tromboembolismo quando sua dosagem no sangue é normal (valor preditivo negativo). É, também, um importante marcador da coagulação intravascular disseminada.

Análise das respostas e comentários dos participantes

Pergunta 1: A alternativa correta é a opção 2. Na obtenção da amostra para os testes de coagulação considera-se que a liberação do fator tecidual pelo trauma da punção e a presença de contaminantes, como o ativador de coágulo, o gel separador e os outros anticoagulantes dos demais tubos, podem interferir nos resultados. O descarte do primeiro tubo e a coleta do tubo com citrato antes dos tubos com os aditivos acima citados permitem a obtenção de uma amostra adequada para os testes de coagulação. O CLSI cita alguns estudos que, nos testes de TP e TTPA, observaram que os resultados sem o uso do tubo de descarte não foram adversamente afetados. A punção venosa deve ser sem trauma e com tempo de garroteamento menor que 1 minuto. Após o preenchimento do tubo, o sangue deve ser prontamente misturado com o citrato por 5 a 8 inversões(*) completas e suaves evitando a formação de coágulos sem ativar as plaquetas. O tempo para o transporte é de até 1 hora após a coleta. A coleta após a gasometria, assim como a coleta de cateter, pode contaminar a amostra com heparina e causar resultados falsamente prolongados.

(*) no texto introdutório consta 10 inversões.

Pergunta 2: A alternativa incorreta é a opção 3. O tubo de tampa azul clara deve possuir uma superfície interna não ativadora da coagulação como plástico (polipropileno, por exemplo) ou vidro siliconizado. O anticoagulante é o citrato trissódico a 3,2%. Adequadamente preenchido, a proporção é de 9 partes de sangue para 1 parte de citrato. O citrato remove o cálcio plasmático que no teste de coagulação é reposto pelo cloreto de cálcio. Amostras com volume de sangue inferior ou com hematócrito aumentado têm menor volume de plasma, mais remoção de cálcio e prolongamento dos tempos de coagulação. Recomenda-se que as amostras com hematócrito (ht) acima de 55% devam ser colhidas em tubos com menos citrato segundo a equação: Citrato = (1,85×10-3) x (100-ht) x sangue. Não há evidência da necessidade de correção para as anemias.

Pergunta 3: A alternativa correta é a opção 4. Os cuidados do processamento da amostra preservam a atividade dos fatores. As amostras são mantidas em temperatura ambiente (18 a 25ºC) com a tampa fechada até a análise. Não se deve refrigerar a amostra porque o frio ativa o fator VII alterando o TP, além de diminuir os fatores VIII e de von Willebrand. As amostras são centrifugadas a 1500g por 15min para formação do plasma pobre em plaquetas (PPP), com menos que 10.000 plaquetas/L no sobrenadante. A amostra para controle de heparinização deve ser centrifugada em até 1 hora após a coleta para evitar a inibição da heparina pela liberação do fator 4 das plaquetas.

Referências recomendadas para as questões 1 a 3:

• Recomendações da Sociedade Brasileira de Patologia Clínica/ Medicina Laboratorial para coleta de sangue venoso – 2. ed. Barueri, SP : Minha Editora, 2010.
• CLSI H21-A5 – Collection, Transport, and Processing of Blood Specimens for Testing Plasma-Based Coagulation Assays and Molecular Hemostasis Assays; Approved Guideline – 5th ed. Vol.28, Nº5, 2008.

Pergunta 4: A alternativa incorreta é a opção 1. O TP é realizado com a adição do PPP + tromboplastina/CaCl2. A tromboplastina atua como fator tecidual ativando o fator VII, avaliando a via extrínseca (VII) e final comum. Existem diferentes tipos de tromboplastinas: animais e recombinantes. O tempo de referência normal, obtido em cada laboratório pela análise de pelo menos 40 indivíduos saudáveis de ambos os sexos(*), costuma ser cerca de 12 segundos.

(*) no texto introdutório consta 20 indivíduos.

Pergunta 5: A alternativa incorreta é a opção 4. O TP e o TTPA são testes de triagem e devem ser sensíveis às reduções dos fatores de coagulação. A sensibilidade, ou seja, o prolongamento do tempo na redução isolada de um fator depende dos fatores e dos reagentes utilizados, mas, na maioria dos casos está próximo de 40% (50 a 30%). Cada laboratório deve testar a sensibilidade dos seus reagentes do TP e do TTPA frente às reduções dos diversos fatores com misturas diluídas do plasma calibrador com o plasma deficiente. Por exemplo, no caso do TTPA não se alterar com uma deficiência entre 35 a 40% de fator VIII, este TTPA é considerado insensível para uso.

A via final comum é formada pelos fatores X, V, II (protrombina) e I (fibrinogênio). A trombina cliva os fibrinopeptideos formando a fibrina que se polimeriza, inicia a formação do coágulo e determina os tempos de coagulação. A deficiência de fatores da via final comum prolongam tanto o TP quanto o TTPA.
O fator XIII estabilizador dos polímeros de fibrina atua após a determinação dos tempos de coagulação e não é medido pelo TP e TTPA. A deficiência de fator XIII é uma causa de sangramento com TP e TTPA normais.

Pergunta 6: A alternativa incorreta é a opção 1. O TTPA é realizado com a adição do PPP + cefalina/ativador de contato+CaCl2. A cefalina atua como fosfolípides plaquetários e o ativador de contato ativando o fator XII, avaliando a via intrínseca (XII, XI, IX, VIII) e final comum. Existem cefalinas de diferentes qualidades e vários ativadores de contato (caulim, sílica e ácido elágico). O tempo de referência normal, obtido em cada laboratório pela análise de pelo menos 40 indivíduos saudáveis de ambos os sexos(*), costuma ser cerca de 30 segundos.

(*) no texto introdutório consta 20 indivíduos.

Pergunta 7: A alternativa correta é a opção 2. A relação normalizada internacional (RNI) é um parâmetro utilizado para controle da anticoagulação oral. O índice de sensibilidade internacional (ISI) é uma padronização da tromboplastina. A RNI é calculada como (TPpaciente ÷ TPnormal)ISI, que no caso corresponde à (24÷12) 1,20 =2,30.

Pergunta 8: A alternativa correta é a opção 4. A hepatopatia e a deficiência de vitamina K prolongam o TP pela menor produção de fatores. A CIVD prolonga o TP pelo maior consumo de fatores. A deficiência de vários fatores da coagulação pode comprometer qualquer via (extrínseca, intrínseca e final comum) e pode causar o prolongamento do TP e do TTPA. A deficiência genética do fator VII é de um único fator comprometendo apenas a via extrínseca e prolongando apenas o TP.

Pergunta 9: A alternativa correta é a opção 3. A hemofilia A (deficiência genética do fator VIII), a hemofilia B (deficiência genética do fator IX), a doença de von Willebrand grave (deficiência secundária do fator VIII) e a deficiência genética do fator XI comprometem apenas a via intrínseca e prolongam apenas o TTPA. Todas as doenças citadas na questão são causas de sangramentos. A presença do anticoagulante lúpico prolonga o TTPA, mas está associado à trombose.

Pergunta 10: A alternativa correta é a opção 3. A varfarina é um anticoagulante oral que antagoniza a vitamina K e é controlado pela RNI (TP) que, em geral, deve ser de 2,0 a 3,0. A heparina (HNF) é um anticoagulante parenteral que potencializa a antitrombina e é controlado pela R (TTPA) que, em geral, deve ser de 1,5 a 2,5.

Pergunta 11: A alternativa correta é a opção 4. O TTPA pode estar prolongado pela diminuição de fator ou pela presença de inibidor. A mistura fornece todos os fatores para a correção. Se ocorrer a correção ou, pelo menos, uma tendência a correção, há diminuição de fator no plasma do paciente. Se não ocorrer a correção, há presença de inibidor no plasma do paciente. A correção da mistura do TTPA exige mais testes para saber qual o fator diminuído. A não correção da mistura do TTPA exige mais testes para saber que tipo de inibidor está presente.

Pergunta 12: A alternativa incorreta é a opção 4. O fibrinogênio é uma proteína de reação de fase aguda que aumenta nos estados inflamatórios. A dosagem de fibrinogênio é feita pela adição de trombina concentrada ao plasma diluído para evitar os efeitos inibidores da heparina ou dos produtos de degradação da fibrina (PDF). Uma curva de calibração é feita para correlacionar o tempo de coagulação (seg) com a concentração de fibrinogênio (mg/dL). O tempo é inversamente proporcional à concentração.

Pergunta 13: A alternativa correta é a opção 3. A CIVD grave é causa de sangramento com hipofibrinogenemia. Outros achados da CIVD são: prolongamento do TP e TTPA, aumento do dímero D, plaquetopenia e esquizócitos. A heparina inibe os fatores IIa e Xa e a varfarina diminui a atividade dos fatores II, VII, IX e X. Nos estados inflamatórios o fibrinogênio aumenta e não há sangramentos.

Pergunta 14: A alternativa correta é a opção 3. O uso do plasma fresco congelado está indicado em pacientes com sangramento ativo e evidência de coagulopatia (R ou RNI>1,5). O uso de crioprecipitado está indicado em pacientes com sangramento ativo e evidência de hipofibrinogenemia (<100mg/dL). Sangramentos por plaquetopenia podem ser tratados com transfusão de concentrados de plaquetas. Sangramentos em hemofílicos são tratados com reposição de concentrados de fator específico.

Pergunta 15: A alternativa incorreta é a opção 3. O dímero D (D-D) é um produto de degradação da fibrina (DED) que circula no sangue após a fibrinólise de um coágulo, ou seja, a quebra dos polímeros de fibrina (-DED-DED-DED-DED-) pela plasmina. Dosado por métodos imunológicos sensíveis, torna-se um importante marcador de trombose. O aumento do dímero D ocorre em outras situações: CIVD aguda ou crônica, traumas (hematomas), pós-operatório, etc. O dímero D tem um alto valor preditivo negativo, ou seja, um resultado normal praticamente exclui a hipótese de tromboembolismo.

Elaborador:

Ricardo Rosenfeld. Patologista Clínico (FMUSP), Mestrado (UNIFESP), Médico do Laboratório Central (HSP-UNIFESP).

Referências Bibliográficas

• Diagnósticos clínicos e tratamento por métodos laboratoriais. John Bernard Henry (tradução Ida Cristina Gubert). 20ª edição, Manole, 2008.
• Hematologia prática de Dacie e Lewis. S. Mitchell Lewis, Barbara J. Bain e Imelda Bates (tradução Renato Failace). 9ª edição, Artmed, 2006.

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