Questionário

EDIÇÃO 228 – GABARITO

IMUNOHEMATOLOGIA – O SISTEMA KELL E SUA RELEVÂNCIA CLÍNICA

Texto Introdutório

Imunohematologia é uma especialidade relacionada à Hemoterapia e à medicina transfusional. Estuda os antígenos presentes nas hemácias também chamadas de eritrócitos, e os anticorpos correspondentes e seu significado clínico. As hemácias humanas apresentam em sua superfície numerosos antígenos que são determinados geneticamente. Os antígenos eritrocitários diferem quanto a sua capacidade imunogênica, isto é, capacidade de induzir uma resposta imune produzindo anticorpo em um indivíduo sem esse antígeno. A produção de anticorpo também depende da grande variabilidade individual quanto à capacidade de resposta imune ao estímulo antigênico. A capacidade imunogênica do antígeno e do indivíduo é o que define a produção ou não do anticorpo.

O conjunto de antígenos formados a partir da expressão de genes alelos de mesmo locus gênico, ou mesmo por um complexo de dois ou mais genes homólogos intimamente ligados formam um Sistema de grupos sanguíneos.

Os antígenos eritrocitários e seus anticorpos correspondentes também são chamados de antígenos e anticorpos de grupos sanguíneos.

Há antígenos que estão presentes na maioria dos indivíduos e, por isso, são denominados antígenos públicos ou de alta frequência na população, enquanto outros são muito raros, sendo designados de “antígenos privados” ou de “baixa frequência” na população.

É importante ressaltar que a descoberta do sistema ABO por Landsteiner no início do século XX (1900 – 1901) o mais importante dos sistemas de grupo sanguíneos foi fundamental para o avanço da imunohematologia e para maior segurança na medicina transfusional. No final da década de 1930, houve a descoberta do Sistema Rh, atualmente considerado o mais polimórfico e antigênico.

Outra descoberta de grande relevância foi o teste de antiglobulina humana (AGH) descrito em 1945 por Coombs e colaboradores. Em 1946 Coombs e colaboradores descreveram o uso de antiglobulina humana para detectar in vivo a sensibilização de hemácias por anticorpos, tornando possível o diagnóstico da Doença Hemolítica Perinatal (DHPN). Com a descoberta do teste de AGH, outros anticorpos IgG foram detectados com seus respectivos antígenos, levando à caracterização de muitos sistemas de grupos sanguíneos. Algumas semanas após Coombs ter descrito o teste AGH foi encontrado o primeiro anticorpo do Sistema Kell e seu respectivo antígeno.

Em 1980, a Sociedade Internacional de Transfusão de Sangue (ISBT) formou um grupo de trabalho (Working Party on Terminology of Red Surface Antígens) para estudar uma nomenclatura que pudesse ser expressa mais facilmente nos meios eletrônicos como os computadores. Assim foi criada a nomenclatura numérica do ISBT conforme tabela 1 que apresenta os seis primeiros sistemas descritos.

Entre os seis primeiros sistemas descobertos cabe ressaltar que o primeiro de maior relevância clínica é o sistema ABO, seguido do sistema Rh que foi o terceiro a ser descrito. O sistema Kell apesar de ser o sexto sistema a ser descoberto merece especial atenção principalmente pela imunogenicidade do antígeno K que só perde para o antígeno D.

O Sistema Kell – Em 1946, Coombs, Mourant e Race descreveram um anticorpo detectado no soro de uma mulher, a Senhora Kellacher. O soro da Srª Kell reagia com as hemácias do seu marido, da sua filha mais velha e do seu filho que acabara de nascer, o que parecia justificar a Doença Hemolítica Perinatal (DHPN) do recém-nato. O antígeno presente nas hemácias do marido e dos filhos foi chamado de (K) Kell. Em 1949 Levine et al, relataram seu antitético o antígeno k (Cellano) que é de alta frequência na população. O sistema Kell permaneceu com dois antígenos até que em 1957 e 1958 Allen et al, descreveram os antígenos antitéticos Kpª e Kpb que estudos confirmaram sua relação com o sistema Kell. Ainda em 1957 Giblett, descreve o antígeno Jsª e Walker et al, descreveram o Jsb em 1963 que eram antitéticos e estavam relacionados ao Sistema Kell. Nesse mesmo ano foi descrito o fenótipo nulo Ko que ajudou a associar outros antígenos ao sistema Kell. Em vários indivíduos Ko foi encontrado um anticorpo imune, que foi descrito pela primeira vez por Chown et al.(1957) e denominado de anti-Ku (Corcoran et al., 1961). O anti-Ku é capaz de reconhecer tanto as hemácias com antígenos K, quanto aquelas com antígeno k ou com ambos. O anti-Ku não reage com hemácias K0, O antígeno Ku só não está presente nas hemácias Ko.

Do ponto de vista genético o Sistema Kell é bastante complexo, mas nosso objetivo é mostrar a importância desse sistema, e principalmente do anti-Kell na medicina transfusional e na Doença Hemolítica Perinatal.

Antígeno Kell:
• São bem desenvolvidos e muito potentes ao nascimento;
• É considerado o 2º antígeno mais potente depois do antígeno D;
• Podem apresentar efeito de dose;
• Os antígenos Kell são de alta ou baixa frequência;
• Não são destruídos por tratamento enzimático.

Anti- Kell
• Habitualmente pertence à classe das imunoglobulinas G (IgG);
• É produzido por resposta imune após exposição ao antígeno durante a gravidez ou transfusão;
• Raramente são de ocorrência natural (IgM) e estão associados a infecção bacteriana;
• Cerca de 20% ligam complemento até C3, mas raramente são líticos;
• O método de detecção mais confiável é o teste de antiglobulina indireta;
• Métodos enzimáticos não afetam a reação;
• O polietileno glicol (PEG) pode aumentar a reatividade;
• Responsáveis por reação transfusional hemolítica grave in vivo extravascular.

Os anticorpos do sistema Kell são potentes e podem causar graves reações hemolíticas por transfusão incompatível. A conduta recomendada para transfundir indivíduos aloimunizados é utilizar antígeno negativo para o anticorpo correspondente, ou seja, fenotipar a unidade de sangue antes da transfusão. O anticorpo do sistema Kell encontrado com mais frequência é o anti-K. Enquanto o antígeno Kell está presente em aproximadamente 9% da população em geral, o que permite encontrar sangue compatível em 91% da população.

Ao contrário do seu antitético k (Cellano) que é um antígeno de alta frequência, 99,8% aproximadamente. Para formação do anti-k é necessário que o indivíduo seja antígeno k negativo aproximadamente 0,2% da população e que seja submetido à transfusão ou gestação com antígeno k positivo 99,8% aproximadamente. Nesse caso a chance encontrar sangue compatível é de 0,2%. Sendo assim, a melhor conduta para transfundir sangue compatível é recorrer aos Serviços de Hemoterapia que tenham um banco de doadores fenotipados, dentro ou fora do estado de acordo com a urgência.

Análise das respostas e comentários dos participantes

Pergunta 1: A alternativa 1 é incorreta: Os antígenos eritrocitários são herdados geneticamente, enquanto a capacidade imunogênica é uma característica própria de cada antígeno, independente da herança genética.
A alternativa 2 é a opção correta: Quanto maior for a capacidade imunogênica do antígeno, maior a probabilidade dele induzir uma resposta imune (produção de anticorpos).
A alternativa 3 é incorreta: Quanto menor a capacidade imunogênica, menor a probabilidade desse antígeno induzir uma resposta imune (produção de anticorpos).
A alternativa 4 é incorreta: A produção de anticorpos eritrocitários depende da capacidade imunogênica do antígeno e da capacidade imunológica de cada indivíduo de responder ao estímulo antigênico, produzindo anticorpos.

Pergunta 8: A alternativa 1 é correta: Conforme tabela 1 nomenclatura da Sociedade Internacional de Transfusão de Sangue (ISBT), e explicação do texto introdutório, o Sistema Rh embora tenha sido o quarto (004) sistema a ser descoberto é considerado o mais imunogênico, enquanto o sistema Kell foi o sexto a ser descoberto e é considerado o segundo mais imunogênico. Seus anticorpos são geralmente IgG capaz de causar reação hemolítica tardia quando não detectável nos testes pré-tansfusionais.

A alternativa 2 é incorreta: O 002 (MNS) foi o segundo sistema a ser descoberto. Os anti-M e anti-N geralmente são da Classe IgM e na maioria das vezes não estão envolvidos em reação transfusional diferente do anti-S que raramente é encontrado e mesmo pertencendo ao sistema (MNS) geralmente são da classe IgG e podem causar reação hemolítica tardia. O 003 (P) foi o terceiro sistema a ser descoberto e os anticorpos correspondentes pertencem a classe IgM e geralmente de ocorrência natural sem significado clínico poucos são clinicamente significativos.
A alternativa 3 é incorreta: O 004 (Rh) Sistema Rh foi justificado no comentário da opção 1. O 005 (Lutheran) foi o quinto sistema a ser descoberto, seus anticorpos na grande maioria são de ocorrência natural podendo e podem pertencer as classes IGM, IgA, IgG raramente envolvidos com reações transfusionais.

A alternativa 4 é incorreta: O 001 (ABO) Foi o primeiro sistema a ser descoberto e o de maior importância clínica, seus anticorpos pertencem a classe IgM e são responsáveis pelas reações hemolíticas agudas nos casos de transfusão incompatíveis.

Pergunta 12: A alternativa 1 é Incorreta – A probabilidade de encontrar o indivíduos K (Kell) positivo é de aproximadamente 9%.
A alternativa 2 é Incorreta – A probabilidade de encontrar indivíduos positivos para o antígeno k (Cellano) é de aproximadamente 98,8%.
A alternativa 3 é Incorreta – A probabilidade de encontrar indivíduos K (Kell) negativo é de 91% da população em geral.
A alternativa 4 é correta – Aproximadamente 0,2% da população em geral é negativa para o antígeno (k) cellano. A probabilidade de encontrar uma unidade de sangue k (cellano) negativo para um paciente com anti-k (Cellano) é de 0,2%, ou seja, uma unidade em cada 1000.

Pergunta 13: A alternativa 1 é correta – O antígeno k (cellano) está presente na maioria da população (99,8%).
A alternativa 2 é correta – É raro encontrar um indivíduo negativo para o antígeno (Cellano), em geral somente 0,2% da população é negativa para esse antígeno.
A alternativa 3 é incorreta – O antígeno k (cellano) não é de baixa frequência na população ele é encontrado em 99,8% da população em geral e por isso é chamado de antígeno público.
A alternativa 4 é correta – O anti-k (Cellano) é raramente encontrado, uma vez que são raros os indivíduos negativos para esse antígeno também é raro encontrar indivíduos aloimunizados para k( Cellano).

Pergunta 14: A alternativa 1 é correta – O anti K pode sim apresentar efeito de dose.
A alternativa 2 é correta – O anti-K está envolvido em Doença Hemolítica Perinatal grave.
A alternativa 3 é correta – Conforme descrito em referências bibliográficas, alguns antígenos k podem reagir fracamente em meios de baixa concentração iônica.
A alternativa 4 é incorreta – O anti-K (Kell) pode sim causar reação transfusional grave.

Pergunta 15: A alternativa 1 é incorreta – Os antígenos Jkª e Jkb não pertencem ao sistema Kell e sim ao sistema sistema Kidd.
As alternativas 2, 3 e 4 estão corretas – Esses antígenos pertencem ao sistema Kell.

Gabarito

Pergunta 1 – Opção 2
Pergunta 2 – Opção 4
Pergunta 3 – Opção 3
Pergunta 4 – Opção 1
Pergunta 5 – Opção 2
Pergunta 6 – Opção 4
Pergunta 7 – Opção 3
Pergunta 8 – Opção 1
Pergunta 9 – Opção 2
Pergunta 10 – Opção 3
Pergunta 11 – Opção 3
Pergunta 12 – Opção 4
Pergunta 13 – Opção 3
Pergunta 14 – Opção 4
Pergunta 15 – Opção 1

Elaborador:

Margarida de Oliveira Pinho. Bióloga, Responsável pelo Laboratório de Imunohematologia e Coordenadora da equipe técnica do Serviço de Hemoterapia do Instituto Nacional de Câncer – M.S. – RJ. Especialização em Hemoterapia – Instituto Fernandes Figueira – Fiocruz, Título de Proficiência Técnica em Imunohematologia pela SBHH.

Referências Bibliográficas

  •         BEIGUELMAN, B. Os sistemas sanguíneos eritrocitários. 3ª ed – Editora FUNPEC, Ribeirão Preto – SP, 2003
  • GIRELLO, L. e KUHN, T.I., Fundamentos da Imnohematologia eritrocitária. 1ª ed – Editora Senac, São Paulo, 2002
  • Harmening, D. Técnicas Modernas em Banco de Sangue e Transfusão. 4ª ed – Editora Revinter,2006.
  • Covas, D.T., Langhi, J.D.M., Bordin, J.O. – Hemoterapia: Fundamentos e Prática – São Paulo – Editora Atheneu, 2007.
  • RDC 1.353, de 14 de Junho de 2011.

 

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