Questionário

EDIÇÃO 247 – GABARITO – Aspectos técnicos, metodológicos e interpretação dos exames para diagnóstico e acompanhamento do diabetes mellitus

A seguir são comentadas as questões para as quais foram recebidas mais dúvidas quando disponibilizadas para os usuários Controllab

DIABETES MELLITUS: CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS CONFORME ASSOCIAÇÃO AMERICANA DE DIABETES

1. Glicemia de jejum ≥ 126 mg/dL, após jejum de 8 horas.
2. Resultado de hemoglobina glicada ≥ 6,5% (método certificado pelo National Glycohemoglobin Standardization Program –NGSP).
3. Glicemia ≥ 200 mg/dL, duas horas após sobrecarga com 75 gramas de glicose oral.
4. Paciente com os sintomas clássicos de hiperglicemia ou crise hiperglicêmica, com uma glicemia colhida ao acaso ≥ 200 mg/dL.
* Na ausência de uma hiperglicemia inequívoca, os critérios de 1 a 3 devem ser confirmados com um segundo teste.

GLICEMIA DE JEJUM

Quando uma amostra de sangue é coletada sem o uso de um inibidor glicolítico, o nível de glicose tende a diminuir a uma taxa média e 5 a 7% por hora em razão da glicólise. Para reduzir a glicólise, o sangue deve ser coletado em tubo contendo fluoreto de sódio associado a um anticoagulante que pode ser o oxalato de potássio ou EDTA sódico. Habitualmente este tipo de tubo possui uma tampa com coloração cinza. A dosagem de glicose pode também ser realizada no soro, desde que a centrifugação ocorra imediatamente após a finalização do processo de coagulação ou num prazo inferior a 1 hora após a coleta. O intervalo de referência em adultos é de 70 a 99 mg/dL.

TESTE ORAL DE TOLERÂNCIA À GLICOSE OU TESTE DE SOBRECARGA ORAL À GLICOSE (GTT)
O teste oral de tolerância à glicose, também conhecido como GTT, do inglês glucose tolerance test, para adultos não gestantes, consiste na administração de 75 gramas de glicose em solução aquosa a 25% por via oral e coletas de sangue em jejum e 2 horas após a ingestão da glicose. Segundo os critérios da Associação Americana de Diabetes, um resultado igual ou superior a 200 mg/dL após 2 horas é diagnóstico de diabetes mellitus.

Para gestantes a Associação Americana de Diabetes sugere duas diferentes metodologias para fins de diagnóstico e/ou rastreamento do diabetes mellitus gestacional, conforme consensos descritos a seguir.

Consenso do International Association of Diabetes and Pregnancy Study Groups (IADPSG)

O teste oral de tolerância à glicose deve ser realizado com uma sobrecarga de 75 gramas de glicose oral e a medida da glicose em jejum de 1 a 2 horas após a ingestão da glicose. O teste é realizado entre a 24a e 28a semana da gestação para as mulheres que não foram previamente diagnosticadas. O teste deve ser realizado no período da manhã após jejum de 8 horas.

O diagnóstico de diabetes gestacional é confirmado quando um dos valores obtidos ultrapassa os níveis abaixo descritos:
Jejum: ≥ 92 mg/dL
1 hora: ≥180 mg/dL
2 horas: ≥ 153 mg/dL

Consenso do National Institutes of Health (NIH)

Este consenso preconiza a realização do teste em duas fases. Na primeira fase o teste é realizado com uma sobrecarga de 50 gramas de glicose oral e uma única coleta de sangue após 1 hora. O teste é realizado entre a 24a e 28a semana da gestação para as mulheres que não foram previamente diagnosticadas e não requer a necessidade do jejum. Se o nível de glicose for igual ou superior a 140 mg/dL o paciente deve realizar o teste completo com 100 gramas de glicose oral (segunda fase), após jejum de 8 horas. O American College of Obstetricians and Gynecologists (ACOG) recomenda a utilização de um valor maior ou igual a 135 mg/dL, como limítrofe para os grupos étnicos com elevada prevalência para diabetes gestacional no teste de sobrecarga com 50 gramas de glicose oral.

Na segunda fase, o diagnóstico de diabetes gestacional é confirmado quando pelo menos dois dos resultados de glicose plasmático ultrapassam os níveis abaixo descritos (jejum, 1 hora, 2 horas e 3 horas após a sobrecarga), tendo como referência os critérios de Carpenter e Coustan ou do NDDG.

*NDDG: National Diabetes Data Group

HEMOGLOBINA GLICADA

O termo hemoglobina glicada define um grupo de substâncias formadas a partir da reação entre a hemoglobina A (HbA) e um açúcar. O componente mais importante deste conjunto é a fração A1C, na qual há um resíduo de glicose ligado ao grupo amino terminal (resíduo de valina) de uma ou de ambas as cadeias beta da HbA. A ligação entre a HbA e a glicose é o produto de uma reação não enzimática definida como glicação. Por esta razão, obedecendo à nomenclatura química, o termo correto é hemoglobina glicada, sendo que o termo hemoglobina glicosilada deve ser abandonado.

No diabetes mellitus, a hiperglicemia persistentemente prolongada é extremamente nociva ao organismo. Existe uma estreita relação entre níveis elevados de glicose no sangue e o surgimento das complicações do diabetes. O descontrole permanente acarreta, no decorrer dos anos, uma série de complicações orgânicas resultando em danos teciduais, perda de função e falência de vários órgãos.

A dosagem da hemoglobina glicada tem grande importância na avaliação do nível de controle do diabetes mellitus, sendo indicada para todos os pacientes portadores de diabetes. Atualmente a hemoglobina glicada é utilizada também para o diagnóstico do diabetes mellitus.

A dosagem da hemoglobina glicada passou a ser considerada como parâmetro essencial na avaliação do controle do diabetes mellitus após a publicação dos resultados de dois grandes estudos clínicos: Diabetes Control and Complications Trial (DCCT), em 1993 e United Kingdom Prospective Diabetes Study (UKPDS), em 1998. Estes estudos demonstraram, claramente, que manter o nível de hemoglobina glicada abaixo de 7,0%, no paciente portador de diabetes, reduz, significativamente, o risco do desenvolvimento das complicações microvasculares e macrovasculares do diabetes em relação ao paciente cronicamente descontrolado.

Como a quantidade de glicose ligada à hemoglobina é diretamente proporcional à concentração média de glicose no sangue e como os eritrócitos têm meia vida de aproximadamente 120 dias, a medida da quantidade de glicose ligada à hemoglobina pode fornecer uma avaliação do controle glicêmico médio no período de 60 a 90 dias que antecedem a coleta de sangue para o exame.

Ao interpretar o resultado da dosagem da A1C, é necessário considerar que os níveis médios mais recentes da glicemia são os que mais influenciam no valor da A1C. Aproximadamente 50% da A1C são formadas no mês precedente ao exame, 25% no mês anterior a esse e os 25% remanescentes no terceiro ou quarto meses que precedem à coleta da amostra.

Segundo os estudos do DCCT, existe uma correlação muito estreita entre os níveis de A1C com os valores médios de glicose plasmática, conforme descrito na tabela 1. O grupo de estudo denominado A1c-Derived Average Glucose (ADAG), patrocinado pelo IDF, ADA e EASD, determinou uma fórmula para o cálculo da glicemia média estimada, publicado em 2008:

Glicose média estimada (mg/dL) = 28,7 x A1C – 46,7,

A equação é válida apenas para métodos rastreáveis ao estudo do DCCT.

Existem numerosas metodologias para dosagem da A1C, resultando em ampla variabilidade nos valores referenciais. No entanto, o valor de 7,0% como nível adequado para controle do diabetes foi validado pelos estudos do DCCT com base em um método conhecido como High Performance Liquid Chromatography (HPLC), na língua inglesa. Com a finalidade de minimizar os problemas de interpretação dos resultados da A1C pelas diferentes metodologias, foi criada nos Estados Unidos da América uma entidade denominada National Glycohemoglobin Standardization Program – NGSP (http://www.ngsp.org), Esse programa avalia os métodos disponíveis no mercado mundial, com o intuito de verificar se estes produzem resultados compatíveis com a metodologia utilizada pelo DCCT. Caso esta equivalência não seja observada, avalia-se a possibilidade de ser estabelecido um cálculo matemático para correção do resultado, tornando o método rastreável em relação ao utilizado no DCCT.

Em relação aos aspectos analíticos, algumas situações clínicas podem gerar interferências na análise da hemoglobina glicada. A idade, o gênero, a origem étnica ou a falta de jejum não afetam significativamente os resultados da A1C.

As variantes genéticas da hemoglobina, como, por exemplo, as hemoglobinas S ou C, na condição heterozigótica, podem produzir interferências na medida da hemoglobina glicada, resultando valores falsamente elevados ou diminuídos, de acordo com o tipo de método de ensaio utilizado. A dosagem de A1C não se aplica nas condições de homozigose para hemoglobinas anômalas, por qualquer metodologia, pois nestes casos, a hemoglobina A está ausente. Nessas situações, o exame alternativo, como frutosamina, pode ser útil.

Outras variantes genéticas de hemoglobina também podem interferir na dosagem de hemoglobina glicada, principalmente nas metodologias que não estão aptas a identificá-las adequadamente. São conhecidos mais de 700 tipos de variantes de hemoglobina. Recomenda-se que os resultados abaixo do limite inferior do intervalo de referência ou acima de 15,0% sejam sempre confirmados por outra metodologia, visando, principalmente, a identificação de eventuais interferentes desta natureza. O estudo do perfil das hemoglobinas, para rastreamento das hemoglobinopatias, também, está indicado nestas situações.

As doenças que alteram o tempo de sobrevida das hemácias, como anemia hemolítica, hemorragia, os quais reduzem a sobrevida das hemácias, podem resultar valores falsamente baixos. A presença de grandes quantidades de vitaminas C e E é descrita como um dos fatores que podem induzir resultados falsamente diminuídos por inibirem a glicação da hemoglobina.

Nos estados de anemia por carência de ferro, de vitamina B12 ou de folato, em que ocorre aumento da sobrevida das hemácias, pode ser observada falsa elevação dos valores de A1C. A presença de hemoglobinas quimicamente modificadas, como por exemplo, a hemoglobina carbamilada associada à uremia e a hemoglobina acetilada, formada após a ingestão de elevadas doses de salicilatos, pode elevar falsamente os resultados. Outras condições clínicas que podem elevar o resultado da A1C são: hipertrigliceridemia, hiperbilirrubinemia, alcoolismo crônico e uso crônico de opiáceos.

Dependendo da metodologia utilizada, a pré-A1C ou base de Schiff, que é a fração lábil da hemoglobina glicada, pode ser um importante interferente na dosagem, ainda que as metodologias mais modernas permitam a remoção desse interferente.

Frutosamina

A frutosamina resulta do processo da glicação das proteínas plasmáticas, em quantidades anormais, em decorrência da manutenção de níveis glicêmicos elevados. A albumina por representar a proteína de maior concentração sérica, corresponde ao componente de maior prevalência na composição da frutosamina. A dosagem da frutosamina permite avaliar os níveis glicêmicos médios de 2 a 3 semanas prévias a dosagem, considerando a meia vida das proteínas ao redor de 28 dias.

Microalbuminúria

A microalbuminúria se caracteriza pela excreção urinária de albumina entre 20 e 200 microgramas/minuto, ou de 30 a 300mg em 24 horas. Essas quantidades se encontram abaixo do limite de detecção dos métodos habitualmente utilizados para a pesquisa de proteínas no exame de urina. O exame é útil na avaliação da lesão renal incipiente.

Glicosúria

Glicemias superiores a 180mg/dL podem induzir a glicosúria. As gestantes e crianças podem manifestar glicosúria por redução do limiar renal. Alguns indivíduos normais podem apresentar glicosúria em decorrência de lesão tubular renal. Por essas razões, a presença de glicose na urina não deve ser entendida como evidência de diabetes mellitus.

Gabarito

Pergunta 1 – Opção 2
Pergunta 2 – Opção 1
Pergunta 3 – Opção 3
Pergunta 4 – Opção 4
Pergunta 5 – Opção 2
Pergunta 6 – Opção 3
Pergunta 7 – Opção 4
Pergunta 8 – Opção 3
Pergunta 9 – Opção 1
Pergunta 10 – Opção 2
Pergunta 11 – Opção 4
Pergunta 12 – Opção 3
Pergunta 13 – Opção 1
Pergunta 14 – Opção 2
Pergunta 15 – Opção 3

Elaborador:

Nairo M. Sumita. Professor Assistente Doutor da Disciplina de Patologia Clínica da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Diretor do Serviço de Bioquímica Clínica da Divisão de Laboratório Central do Hospital das Clínicas da FMUSP. Assessor Médico em Bioquímica Clínica do Fleury Medicina e Saúde. Diretor Científico da Sociedade Brasileira de Patologia Clínica/Medicina Laboratorial (SBPC/ML).

Referências Bibliográficas:

AMERICAN DIABETES ASSOCIATION. Standards of medical care in diabetes – 2014. Diabetes Care 2014; 37 (Suppl 1): S14-S80. Disponível em: http://care.diabetesjournals.org/content/37/Supplement_1/S14.full.pdf+html

ANDRIOLO, A.; VIEIRA, J.G.H. Diagnóstico e acompanhamento do diabetes mellitus. In: ANDRIOLO, A. Guias de medicina ambulatorial e hospitalar – UNIFESP/Escola Paulista de Medicina – Medicina Laboratorial. 2ª. ed. São Paulo:Manole, 2008. Cap.5; p.37-42.

SUMITA, N.M.; ANDRIOLO, A. Importância da determinação da hemoglobina glicada no monitoramento do paciente portador de diabetes mellitus. J Bras Patol Med Lab 2006; 42, editorial. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1676-24442006000300002&lng=en&nrm=iso

SUMITA, N.M., ANDRIOLO, A. Importância da hemoglobina glicada no controle do diabetes mellitus e na avaliação de risco das complicações crônicas. J Bras Patol Med Lab 2008; 44:169-174. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1676-24442008000300003&lng=en&nrm=iso

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